domingo, 29 de dezembro de 2013

Castelo para Gigantes

Porque fazes os teus negócios com gente tão grande?
Aposto que nunca viste um do seu tamanho na multidão
Mas quem sabe o que será se até a sua mão inchada expande
Quando o seu nariz condicionado tem comichão

E se ele espirrar sobre todos os teus pequenos portefólios
O que vai ser das tuas crónicas que são quase uma rebelião?
E se ele tocar com os seus dedos gigantes nas tuas costas
Será que os teus soldados da paz feitos de tiras de papel
Vão manter a sua formação?

Anda, como te podes queixar da varanda do seu castelo
Diante da porta estranhamente larga para a tua anatomia
Agitando a tua caneta como um martelo
Por favor seu bobo sem corte, faz lá magia!
Só mais uma vez, é miseravelmente singelo
Porque tu sabes que se lá quisesses voltar, ninguém te impediria.

Anda, tu sabes que do outro lado não se come bem mas é honesto
Mas acaso achas que é fácil para os cães uivar
Achas que a natureza lhes paga o gesto?

Às vezes vejo as palavras

às vezes vejo as palavras
escritas na parede
como as que disseste- ainda não nos cai
o silêncio bem-
lembro-me de ter tomado café
não por ser subserviente
não por ter sede
mas por não haver lá mais ninguém

depois peguei no açúcar,
e tu sabes., espalhei-o na mesa
e tu sorriste e a vela acesa
apagou numa rajada de ar.
o resto só a nós nos cabe lembrar.

é justamente por isso
que eu pergunto
com a boca cheia de mel
por ter ficado aquém:
e agora que estás sozinha
o silêncio já te cai bem?


sábado, 28 de dezembro de 2013

sr. dragão

sr. dragão, faça-se ministro
que quando insisto não há volta a dar!
artur e s. jorge? um está morto
e nunca vi santo a descer do altar.

sr. dragão, faça labaredas e sangue,
antes sangrias a serventias a grandes!
se fizer tudo pela pátria, eu o canto:
uma foto sua na minha melhor estante!

sr. dragão, que é aquilo lá ao longe?
é prospecção, mas o tirano a esconde:
há que a saquear, tirá-la à força!,
mostre-se cruel que o hábito não faz o monge!

sr. dragão, quero um subsídio,
inalar fumos sulfurosos dá-me prá doença.
não é que o vá perseguir de forquilha na mão
mas vou para a praça pública gritar sua sentença!

sr. dragão, quero a sua demissão,
é tão corrupto como quem sofreu sua lição!
peço-lhe com jeito, em jeito de poema:
desça do seu banco ou choros mil! na sua profissão.

sr. dragão, não foi feito para o trono,
pensava c'ajudar o monstro me safava do outro:
sr. dragão, já me deu seu ensinamento!
faça favor de sair! ou de ser para um amigo um ombro,
que de labaredas e tormentos vivi eu já habituado!
sr. dragão: a porta é por aquele lado.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

fósforo

o velho era vadio
o mar bravio
e a vela que abrigava ambos
gastava o pavio
para albergar surrealismos:
relógios derretidos
e ao longe um jovem sadio
a quem faltava um c e um sofá
para ser sádico

todos eles eram catedráticos no que tocava à solidão

com faca, queijo e pão
sabiam a sol por ser o único a dar-lhes a mão.
de palmas vermelhas e calejadas
grelhavam peixe só por o esperarem:
o olhar rouco e áspero
de enxada em punho
era um calo que se via em olhos tingidos do negro e soturno do pesar da partida

qual a vida mais esquecida?
soubera eu para as lembrar
pergunto-me
que faço aos relógios
andam tristes os ponteiros
à espera que as pombas desistam das migalhas
que a velha do segundo andar já não atira
nem vai atirar
faleceu há mês e meio
e nem o porteiro deu por falta dela

II


Quem dera ao tempo ter passado,
assim de braçado,
quase como que de braço dado,
por onde ainda não chegou.
Não há nuvem que não se desfaça em lágrimas,
nem sol que não se apague,
nem lua que não se leve a nova.
Nem cinza que não se lave com água.
Ou céu que nos salve.
E o tempo sabe.
Só não sabe se lembrar.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

retalhos #4

sabias que o céu é igual em paris e aqui?
os meus palhaços ergueram-se do mausoléu
e isto tem todo o sentido que não faz para ti;
se algum dia levantares o véu para alguém,
pelo menos sorri.

um rapaz que contou os anos que tinha pelas facas que tinha nas costas

"a casa onde cresci não foi nunca onde vivi.
era agreste, o céu rodava ao contrário,
o menino em mim deitava-se de manhã e acordava à noite.
vivia bombardeado pelas radiações emitidas por uma medusa,
que de musa não tinha nada:
apenas o produto de uma masturbação contemplativa de chernobyl.

não via já há dias o sol
porque a porta nunca se abria.

o clima era hostil
mas o tempo era de praia
e as nuvens eram cogumelos
e as chuvas eram ácidas
e até quão básica era a minha vida eu não sei
mas se alguma vez vivi passou-me ao lado.

algures em tudo,
havia alguém que vibrava na mesma frequência que eu:
ou é mudo ou surdo ou monstro ou teve sorte:
descansa em paz coberto de terra
porque quem viveu na merda
já conheceu o inferno."

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

donde

"quo vadis" escrito a sangue
soterrado em mangues

ninguém sabe donde veio a cabala
mas levava na mala
a bala que desfez tanto sonho:
o despertar:
nascente:
morte da noite e do descanso
- quo vadis meu pranto
e para onde vais?

Consideração

A poesia é uma anedota
Não nos serve nada
De resto, é a melhor maneira
De sangrar
Sem manchar a calçada.

Desabrochar

As pessoas deste mundo não são flores
e não irão desabrochar.
A realidade dispensa qualquer demagogia,
As pessoas deste mundo não irão nunca
desabrochar;
E de que me vale fazer-lhes nesta folha
pétalas de papel?

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

I


Quero-te ter onde não houver sinal de ti. Encontrar lugar para as palavras que caem como as chuvas de inverno. Cuidar da alma como da terra, de ti como do coração. Escrever o silêncio na pele que me emprestas, nos dias despidos de razão. Esquecer que a volta nos acorda amanhã, e não dormir sem a noite dos teus olhos. Dar corpo à paz do teu beijo e nas tuas mãos pesar o mundo.

domingo, 22 de dezembro de 2013

retalhos #11

vi o teu novo namorado, um estúpido com cara de sério
a esconder sorrateiramente o seu anel,
espreitando pela porta do teu prédio;
ainda achas que é só mais uma mentira cruel?
tu não sabes o quão fácil é para alguém fingir que te ama
oh amor, quando te deitas nua sobre a cama.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

ela é um vulcão (revisitado x2)

quando eu desenhei Shangri La debaixo da tua atmosfera
esqueci-me de alguma coisa confortável
onde me pudesse sentar
como eu também não sei onde é ao longo da esfera
podias ser amável
e desenhar tu o mar

e depois, vulcão, quando estiveres para rebentar
aponta para o desenho com o dedo ou com a mão
eu sou o urso na savana, grunhir é a minha maneira de ripostar
mas é a tua imposição, tu é que sabes onde eu tenho de ficar.

os ray ban não se dão bem com a minha cara, quem é que eu quero enganar,
a miséria até é sã quando nos deixa mais por onde sonhar
onde está o meu leão? e se não vem porque não me dão um divã?
eu dizia-te para explodires cá dentro mas tu é que sabes se tens lugar
a vida podia acontecer em duas horas no Maracanã
e cada vez deixa menos para queimar.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O Sonho

a minha tília de jardim está morta
e não precisa de ser uma sangue de dragão
para se notar a vida desaparecer
mas as árvores são parecidas com os sonhos
os seus pequenos caules subterrâneos
irrompem pela terra com o único raciocínio
de viver
e este processo ultrapassa a nossa longevidade
é maior que nós em tudo
é ridículo pensarmos que matamos um fogo
com uma gota de água
o sonho é mais difícil de matar
que uma árvore
que o amor
que a Royal Dutch Shell
porque a miséria a que o pões à prova
só o faz lamber as raízes
e se lhe decepas os olhos
ele virá cego delas
cheirando a luz
preparando-se para a manjar.

dormindo sobre o divã está a ritinha.

dormindo sobre o divã está a ritinha.
hoje minha guia para tudo
o que não sou eu
assim desta maneira
como ela arqueia
gentilmente as costas.

ela está tendo um pequeno sonho
é uma manta de lã
talvez de flores ou então de nada
provavelmente de nada
porque ela sabe ser feliz.
tenho a ritinha dormindo sobre o divã.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Restaurante Degradê

Vejo que pediste o teu café três anos mais cedo
No restaurante degradê para actores desempregados
Como vestiste o teu blazer vincado pelo enredo
Como fingiste conhecer os empregados

E a cortina pálida ao teu lado, pediste a sua cor emprestada
Enquanto a cantora de cabaret, acabada, com o tutu rasgado
Contemplava o enredo amador entre o cigarro e a cinza queimada
Ela sorri para ti mas tu és demasiado madura
Porque não vê ela então na tua face o rasgo do amor acabado
E o seu velho travo?
Porque não está ele escrito no silêncio da tua postura?
Ou no teu cachecol em Abril, mas no fundo tu sabes que a fineza do teu perfil
Não acompanha a tua frente de capa dura

E está de volta o empregado que já devia ter bigode por agora
Sabes ao menos que é com desespero que ele te pedirá para pagar?
Quanta vez falaste a ti mesma de dinheiro,
Com os lábios escuros docemente pintados,
Que podias partir o mealheiro
Sem compreender o valor de desesperar?
Sei que estás tensa, apreciando a sua demora,
Enquanto fala com outros clientes irados
Mas é um favor que ele te irá fazer, acredita amor,
Quando te puser a ti porta fora
E ao sol os teus olhos molhados.